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segunda-feira, 13 de junho de 2011

O Oráculo

Há uns bons anos, quando trabalhei numa secretaria, tive como chefe o contabilista.
Tinha setenta anos, e trabalhava ainda devido a dificuldades financeiras, com família a seu cargo, e um elemento com sérios problemas de saúde. Tinha sido um "retornado", aqueles que regressaram à metrópole, depois do 25 de Abril de 1974, praticamente com a roupa que tinham vestida.
Foi para mim uma pessoa especial, com uma faculdade que ainda hoje continuo a acreditar, tinha a estranha sensação que me conhecia, quase posso dizer que conhecia a minha alma, sem eu falar de mim adivinhava os meus pensamentos, o que me deixava entre fascinada e assustada. Insistia comigo para eu aprender contabilidade, dizia que seria uma "arma" para eu singrar na vida, ainda aprendi umas coisas, mas números nunca foram o meu forte, e nem a tarefa me agradava.
No decorrer dessas "aulas" ia dizendo que se eu não agarrasse as oportunidades que iriam surgir, e só surgiriam uma vez, iria fazer muita "burrice" e lamentar enquanto fosse viva. Falava como um oráculo, deixava-me arrepiada, esforçava-me para não lhe dar crédito, o que de antemão já era uma grande asneira, mas a idade não permitia avaliar a extensão da predição.
Dizia que eu nunca poderia acusar ninguém por mais obstáculos que me pusessem no caminho, depois durante anos acusei outros, de modo a dificultar-me a caminhada, a grande responsável seria eu, seria a minha falta de coragem para dizer basta, para me impor, que levaria a renunciar a todos os meus sonhos e projetos, dizia muitas vezes: " Fecham-te a porta, salta pela janela, não deixes que te dominem, que te maniatem, que te amordacem." Também dizia que não estaria cá para ver e para me aconselhar, mas queria confiar que eu pensaria nas suas advertências.
Ainda era vivo quando eu fiz a primeira grande burrice, por medo, cobardia, insegurança, não consegui transpor o obstáculo que colocaram no meu caminho e cometi um dos maiores erros, de todos os que tenho cometido. Ainda teve oportunidade de dizer-me pessoalmente que, infelizmente, já contava que eu reagisse assim, daí estar constantemente a alertar-me, a "dar-me nas orelhas".
Mas quem nasce "burro nunca chega a cavalo", e as suas lições foram dissolvendo-se no pó do tempo. Passados anos, num momento em que o passado se faz presente, lembrei-me das suas palavras sábias, e admito que não errou nas predições que fazia, entrou na minha vida num determinado momento para me auxiliar na minha caminhada, mas optei por negligenciar as lições.
"O valor das coisas não estão no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inexplicáveis e pessoas incomparáveis." Fernando Pessoa


Ob: Este texto foi inspirado numa conversa, onde a palavra que lhe serve de título foi mencionada, e levou de imediato a recordar-me daquele homem.

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