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domingo, 25 de dezembro de 2022

Natal outra vez

 Chegava o Natal, nós pequenos, vivíamos num tal estado de ansiedade, a aguardar a noite mais linda, punhamos-nos a imaginar os pobres presentes, para nós sempre os melhores do mundo, que nessa noite o Menino Jesus colocaria no sapatinho ou seja num sapato, chinelo ou sapatilha, que  deixávamos  nessa noite na chaminé. Ainda não tínhamos conhecimento  da existência do Pai Natal, neste país na "cauda" da Europa não chegava cá essa personagem. Era uma noite de desassossego, impossível dormir.

 Na casa dos meus pais, apesar de pobres mas onde nunca se passou dificuldades,  não faltavam os pratos tradicionais da cozinha portuguesa, o jantar da véspera era sempre o famoso bacalhau com todos ou seja o bacalhau acompanhado de couve penca ou portuguesa, ou ainda grelos de couve, nabo, batata, cenoura, ovo cozido e azeitonas, regado com um bom azeite nacional e temperado com dentes de alho e pimenta. Tínhamos direito à sobremesa, o delicioso arroz doce ou aletria, na minha casa era o arroz doce que tinha preferência, tudo isto confeccionado pela minha avó, que era uma eximia cozinheira, tinha mesmo sido a sua profissão numa casa fidalga. Depois, havendo um intervalo entre o jantar e a ceia, o ritual era que à meia-noite fizéssemos a ceia para em família lembrar que jesus tinha nascido em Belém a essa hora, então lá vinham para a mesa, os sonhos, as rabanadas, as broas, as filhoses, tudo feitos pelas mãos maravilhosas da avó, havia também um bolo rei que a empresa onde o meu pai era motorista, a Rodoviária Nacional, dava a todos os funcionários, tinham também direito a uma garrafa de vinho do Porto.Voltando atrás nas memórias: a empresa proporcionava aos trabalhadores e suas famílias, na antevéspera do dia de Natal, um magnifico espectáculo de música e circo, na Academia Almadense.

Na manhã seguinte era uma correria pelo corredor da casa, eu e o meu irmão, para chegar à cozinha, à chaminé para tomar posse dos presentes ali deixados pelo Menino jesus, eram tão simples, para mim, menina eram os que mais estavam associados ao nosso papel no futuro, tachinhos, panelinhas, vassourinhas, pazinhas, para nos irmos habituado ao papel de dona de casa, tínhamos também, por vezes, uma boneca, ao meu irmão o Menino Jesus dava-lhe carrinhos, berlindes, e mais alguns que eu não recordo, como homem um dia iria trabalhar para manter uma família, e os brinquedos iriam despertar a vocação. 

Nesse dia , dia de Natal, a meio da manhã, íamos em bando, até a uma quinta, Quinta de S. Pedro, onde os proprietários, grandes latifundiários, distribuíam presentes e guloseimas pelas crianças da freguesia, lembro-me de uma comprida mesa colocada em frente da casa principal por onde nós, depois de entrar no portão principal, desfilávamos e onde algumas empregadas domésticas nos entregavam um saquinho com um brinquedo, guloseimas: rebuçados, chocolates, caramelos e pastilhas elásticas, eram a grande novidade. Eram gestos tão gratificantes, os senhores ricos lembrarem-se de nós era o culminar da magia. 

O almoço, também ele confeccionado pelas maravilhosas mãos da avó, incluía uma gorda galinha corada no forno mas previamente cozida para se aproveitar  o caldo onde cozinhou com  temperos, segredos da minha avó,  para fazer o delicioso arroz no forno, tínhamos também batatas fritas, a avó fritava batata doce que eram divinas, depois o remate com as sobremesas confeccionadas na véspera  e que iam durar , algumas delas até ao Ano Novo, como as filhoses e broas. E poderia continuar, as memórias são tantas que acabaria por descrever outros acontecimentos associados ao Natal e tornar-se-ia maçador. Um dia contarei.

     

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