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domingo, 9 de março de 2014

O (Des)encontro

Começou a chover torrencialmente. A  meio da manhã o céu começou a escurecer, um cinza sinistro, que ao fim da tarde daquele inverno era como breu, os trovões ribombavam com estrondo, e os relâmpagos eram agora a única iluminação na cidade triste, dando-lhe um aspecto fantasmagórico.
Na cidade triste e sombria as pessoas corriam a abrigar-se nas esplanadas,  dentro dos cafés, nas arcadas dos edifícios, onde quer que pudessem abrigar-se daquele temporal medonho, e se não bastasse a chuva e a trovoada, juntou-se o vento ciclónico, que tudo arrastava na sua frente, não permitindo manter os guardas chuvas abertos.
Alguns havia que nem se davam ao trabalho de procurar abrigo, procuraram caminhar mais apressadamente. Ela optou por continuar a andar calmamente, já não valeria a pena correr e abrigar-se, a rua por onde seguia não oferecia abrigos, e não conseguia manter o guarda chuva aberto, estava completamente encharcada, mais não ficaria.
Ainda faltavam duas ruas para chegar ao seu destino, o terminal rodoviário, onde apanharia o transporte que a levaria a casa. Enquanto caminhava reparava no comportamento dos outros, uns corriam, os que se comprimiam nos abrigos mostravam um semblante carregado, até zangado, outros, aquele temporal atemorizava, o olhar de receio e os gestos induziam  essa ideia. Também havia os loucos como ela que caminhavam à chuva, sem receio das trovoadas e do vento que os forçava a caminhar mais rapidamente. 
As ruas em pouco tempo transformaram-se em rios, numa delas, por onde passou, o "rio" tinha um caudal que tudo levava na sua frente, todos os objectos que não ofereciam resistência à água e ao vento eram levados naquela descida.
Estava a dobrar uma esquina, o terminal era já a seguir, e num momento estava no chão, alguém ou algo veio embater em si, umas mãos tentavam levantá-la, furiosa afastou-as e levantou-se, ainda não tinha olhado para quem a tentava ajudar, quando o fez ficou petrificada, o que ia para dizer ficou na garganta, ali na sua frente estava o homem que durante anos assombrou a sua vida, aquele que amou e por quem foi amada, mas que nunca tiveram coragem de assumir o que sentiam e torná-lo público.
Olharam-se, e o olhar continuava a falar por eles, ficaram ali, os dois imóveis, debaixo daquele dilúvio, nem se apercebiam que eram olhados com estranheza, eram loucos com toda a certeza. já se ouvia risos de galhofa e algumas "bocas" ridículas vindas do interior do terminal.
Por momentos o tempo deixou de existir, até que ela levada por um impulso tocou-lhe no rosto, deixando as pontas dos dedos deslizarem até  aos seus lábios, ele intuiu a mensagem naquele gesto, também nada disse, e beijou-lhe os dedos, depois o tempo voltou novamente a ocupar o seu espaço, ela afastou-se dele, caminhando para o interior do terminal. o autocarro estaria quase a partir, olhou uma vez mais, ele estava ali, e os olhos suplicavam-lhe para ficar, ela não teve coragem nem ousadia para ficar, entrou no autocarro, e depois de sentada deu liberdade às lágrimas.
Quando o autocarro saiu do terminal olhou mais uma vez para onde ele continuava parado, e no olhar lia a despedida, que exteriorizou levando as pontas dos dedos aos lábios e enviando um beijo, ela fez o mesmo gesto. O autocarro fez a curva e seguiu o seu rumo,e ela ficou sem rumo, perdida num emaranhado de emoções que julgava já há muito tempo controladas. Chorou toda a viagem, quando estava a chegar a casa recompôs-se e afivelou a máscara da serenidade, iria continuar a chorar mas ninguém veria.



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