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sábado, 14 de novembro de 2009

Augusto Casimiro (O senhor capitão)






Ficaram na minha memória vivências do passado, mais propriamente da minha infância, que até hoje me fascinam. Uma dessas vivências remontam à idade de seis anos quando conheci um vulto das letras portuguesas: Augusto Casimiro dos Santos, mais conhecido por Augusto Casimiro. Hoje, já se passaram quarenta e cinco anos, neste preciso momento, essa recordação tornou-se intensa e obsessiva, forçando-me a remexer nesse passado. Os meus pais tiveram de se deslocar da localidade onde residiam, um dia também escreverei sobra estas deslocações, éramos quase nómadas, daí talvez o meu gosto pelas viagens e pela aventura, para um local situado na margem esquerda do Tejo, situado algures entre Almada e a Costa de Caparica, mais precisamente para o Lazarim da Caparica, na altura era um local bastante isolado com acesso difícil. Todas as localidades próximas se chamam de Caparica: Monte da Caparica; Torre da Caparica; Sobreda de Caparica; Charneca de Caparica; Vila Nova de Caparica, isto devido à lenda da "capa rica". Como estava a dizer, deslocaram-se devido ao facto do meu pai ter começado a trabalhar na via rápida para a Costa de Caparica, e a minha mãe querer a família junta. No local onde passamos a morar: Quinta da Morgadinha, que na altura isto em 1964, era o que se poderia considerar um condomínio privado, não como os actuais, que são criados para quem tem dinheiro, o que não era o caso do anterior, este era habitado maioritariamente por gente que fugia de um Alentejo de fome, em busca de trabalho, o que não foi o caso da minha família, mas isso são outras histórias, que oportunamente contarei. Era quase um condomínio privado porque era vedado, e tinha de facto um portão que o isolava, pois inicialmente esse espaço habitacional tinha sido uma quinta agro-pecuária, na qual o proprietário construiu umas moradias, tipo geminadas, com o respectivo quintal, e volto novamente a dizer que fazem parte das histórias acima referidas. Foi aí, nesse local, que conheci Augusto Casimiro, por nós, os moradores, conhecido por "Senhor capitão", isto porque tinha sido capitão no exército. Era um homem alto e imponente, ou será que é a imagem que tenho dele, pois eu era uma criança e foi o que ficou na minha memória, tinha 75 anos. Poucos sabiam o motivo porque vivia ali, a minha mãe, que teve o privilégio de ser a sua empregada doméstica, teve esse conhecimento dito por ele, estava ali porque no passado tinha sido contra o estado-novo e agora contra o governo de Salazar, era portanto antifascista e ali encontrou de certo modo refugio para uma hipotética perseguição. Para mim isso nada significava, anos depois, quando da revolução do 25 de Abril, percebi o que o levou a ir para esse "cu de Judas". Poucos também ali sabiam que era um homem das letras.




Mas as histórias que surgem na mente são aquelas associadas ao seu comportamento como vizinho, essas sim são inesquecíveis.
Tinha em frente da sua moradia um jardim, não era propriamente um jardim, era mais uma rede que vedava a outra quinta, também ela agropecuária, entre as duas passava um caminho que permitia o acesso à segunda. A rede encontrava-se envolvida por trepadeiras e na sua base, o "Senhor capitão", tinha plantado algumas flores, nas tardes de Verão, da janela, com uma mangueira apontada às flores regava-as e em simultâneo dava-nos banho, a mim, ao meu irmão e a todos os "putos" que ali moravam, todos de cuecas a correr e a saltar debaixo da água que jorrava da mangueira. Dias havia que o "Senhor capitão" vinha à rua, em volta dele parecíamos um enxame, ia connosco dar um passeio para o lado de fora do "condomínio", para um espaço lindo, ao qual chamávamos "a nossa praia", isto porque o local era constituído por uma areia muito fina, sendo uma parte quase como um pântano, não sei bem se era isso, a imagem que tenho é de uma superfície húmida, onde havia juncos, e coaxavam rãs e sapos.



As recordações mais marcantes que tenho dele remontam aos almoços de Domingo na sua casa, tinha por hábito convidar as crianças para almoçar com ele, o convite era limitado a duas crianças, um menino e uma menina. Quando era a minha vez almoçava sempre com um amigo, já falecido, o Carlos, mais conhecido por "Mira", o ultimo apelido, para nós era uma festa, a sopa era tão boa, mais tarde, anos depois, soube qual o ingrediente mágico, o "Aji-no-moto", o segundo prato que na nossa casa era raro comer, carne assada, e outras delícias tais, como a sobremesa, que também nas nossas casa só havia pelas festas, mas, há sempre um mas, a verdadeira recordação, talvez se possa chamar "trauma", mas que ficou ultrapassado, era a salada de tomate, que nós detestávamos, então para não a comer eu o o meu amigo inventamos uma estratégia, um tirava o tomate e passava-o ao que ficava mais perto da casa-de-banho, este fechava-o na mão e pedia licença para lá ir, isto repetiu-se durante alguns Domingos, talvez já se tivesse apercebido, íamos tantas vezes lá, mas um Domingo não permitiu e pediu para colocar o que tinha na mão no prato, ora era um pedaço de tomate, deu apenas uma ordem, nenhum se levantava da mesa sem comer a salada, foi remédio santo, comecei a gostar de salada de tomate e o meu amigo também.



Outras recordações vão surgindo, nas tardes de Domingo éramos todos convidados para ver televisão, há pois! Televisão era um objecto quase desconhecido para a maioria de nós, com a agravante de ser muito cara, sendo apenas usufruída pelos que o podiam comprar, o que não era o caso dos nossos pais. Na sala funcionava uma hierarquia, à qual não permitia o mínimo deslize, as crianças mais pequenas, tanto rapazes como raparigas, onde eu me incluía, ficavam sentadas no chão em frente dele, seguiam-se as raparigas mais velhas que se sentavam em cadeiras ao seu lado, por trás dele ficavam os rapazes mais velhos de pé, a televisão ocupava o espaço em frente deste esquema, ficando ele no centro sentado numa cadeira de baloiço. Foi nesta televisão que vi os primeiros filmes de " índios e cowboys" e comecei a apreciar o Professor José Hermano Saraiva a narrar os grandes factos da nossa História, as nossas lendas e tradições.
Recordo-me de o ver a conversar com a minha mãe, também me recordo da minha mãe comentar em casa que o "senhor capitão" lhe tinha pedido para não mexer nos seus papéis, os seus manuscritos e documentos, ali era ele que fazia a limpeza, dizia à minha mãe que era perigoso ela saber alguma coisa que ele escrevia, mas sempre lhe ia dizendo que escrevia livros e poemas.


Tinha eu nove anos quando o "senhor capitão" faleceu, desse acontecimento tenho uma imagem muito pálida, recordo-me da sua nora, a actriz Lurdes Norberto, lá ir e dar autorização à minha mãe para ficar com o que quisesse lá de casa, incluía loiças, roupas de cama e mesa, e até alguns móveis, infelizmente nenhuma das suas obras.
Os anos decorreram sempre a pensar de um dia procurar conhecer as suas obras, mas por diversos motivos, que nem sempre são os mais desculpáveis, nunca o fiz. Agora com a Internet já consegui dedicar um pouco de tempo a pesquisar, tendo a grata satisfação de conhecer um pouco mais da pessoa maravilhosa que fez parte da minha infância. Estou ansiosa para procurar pelas suas obras nas livrarias e quando for possível deslocar-me à BN onde estão todas elas, entregue pelo filho.

5 comentários:

  1. ... era o meu avô ... o avô Casimiro...obrigada.

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  2. Maria Cristina Casimiro,

    Sou natural da Caparica, freguesia onde o seu avô viveu o resto dos seus dias. Animo uma página do FB, na qual tenho publicado alguns apontamentos sobre o seu avô, nomeadamente os relacionados com as letras. Abaixo vai umlink de acesso para um deles.
    Gostaria de saber o que o levou a vir para a quinta da Morgadinha, no Lazarim, que na altura pertencia à freguesia de Caparica. seá que me pode ajudar nesse sentido?
    Grato,

    Fernando Miguel
    fernando.miguel@sapo.pt
    ferjsmiguel@gmail.com

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=474045986006633&set=a.397805003630732.93865.186509761426925&type=1&relevant_count=1

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  3. Ainda é possível identificar a casa onde viveu o Augusto Casimiro?
    Obrigado,
    Fernando Miguel
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=474045986006633&set=a.397805003630732.93865.186509761426925&type=1&relevant_count=1

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  4. Fernando Miguel ainda é possível identificar a casa do Senhor Capitão na Quinta da Morgadinha na freguesia da Sobreda de Caparica, Concelho de Almada. Se deslocar-se a essa quinta e seguir pela rua principal, encontra a meio da rua uma moradia tipo geminada, a do lado direito foi habita por ele. Já sai desse local há quarenta e dois anos mas até há onze anos ainda lá ai, a minha mãe ainda lá morava na casa ao lado, o lado esquerdo. Não faço ideia de alguém mais velho que lhe possa prestar informações. Fique bem.

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