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quinta-feira, 29 de março de 2012

Viagens no tempo

Andava a magicar em algo para escrever, e heis quando me surge na mente uma história do livro de Margarida Rebelo Pinto: " A minha casa é o teu coração". Vasculhei na memória e retirei de lá também uma história, que aconteceu num passado já distante.
As viagens a Badajoz, viagens estas feitas não como a personagem do livro, que as fazia num automóvel Mercedes, mas sim numa camioneta (agora diz-se autocarro), as famosas excursões.

A finalidade destas excursões eram as compras nas famosas galerias Preciados e no El Corte Inglês, que não existia em Portugal, e também dos famosos caramelos que se derretiam na boca, para nós, raparigas, as famosas bonecas vestidas de sevilhanas.

Numa dessas viagens foi também uma amiga, a Luísa, ia com a avó e eu com o meu pai, que era o organizador dessas excursões.
Depois de almoçarmos num género de piquenique na margem do rio Guadiana, era habitual levarmos comida confeccionada de casa, fomos os quatro até à feira, passando pela Porta das Palmas, que ficava num descampado na outra margem, atualmente deve ser um espaço urbanizado.

Era uma feira tradicional, onde se comercializava tudo, gado, alfaias agrícolas, móveis, vestuário, loiças, brinquedos, e comida típica das várias regiões de Espanha, tinha também os os tradicionais divertimentos de todas as feiras.
Enquanto deambulávamos por lá eu e a Luísa acabamos por perder de vista os adultos, o que não nos incomodou, para duas adolescentes foi uma oportunidade única de nos sentirmos livres.
Pouco depois um rapaz "muy guapo" acercou-se de nós, mostrando interesse na Luísa, para mim nem olhou, não fazia o seu género com certeza, loura e branquela, enquanto Luísa era uma morena de "encher o olho", sempre atrás de nós, elogiando-a e tentando seduzi-la por palavras que mal entendíamos. Aproximamo-nos de uma barraca que vendia as tais famosas bonecas, o rapaz que estava perdido de amores comprou uma e quis oferece-la a Luísa, ela não queria aceitar, ele insistia, perguntava-lhe o nome e de onde era, e voltava a insistir para ela aceitar a boneca, dizendo-lhe que ela, Luísa, era "muy linda", e que estava enamorado.
Luísa aceitou a boneca, agradeceu-lhe, e ele pediu-lhe um "beso", ela virou-se para mim e com o olhar pediu-me socorro, e nem a propósito vejo o meu pai e a avó que se aproximavam, a avó quase correu em defesa da neta, escorraçando o "lobo mau" que queria comer o "capuchinho vermelho"
Assim terminou abrutamente o que poderia vir a ser uma linda história de amor.

Noutra excursão, também a Badajoz, o meu pai, viveu um momento aflitivo, quase dramático, um excursionista teve a ousadia de comprar diversas bebidas alcoólicas e escondeu-as por baixo do banco do autocarro. Na época Portugal ainda vivia "orgulhosamente só", a revolução do 25 de Abril ainda estava em esboço, e da CEE nem sombras, portanto as fronteiras ainda estavam ativas, e uma das suas funções era impedir a entrada e a saída de produtos ilegais, ou seja contrabando, sendo o álcool um deles. Á chegada à alfândega, na fronteira do Caia, a guarda espanhola entrou no autocarro, saímos todos para a rua, para revistar o que trazíamos, e deparou-se com várias garrafas, muitas mais do que era permitido, o meu pai como responsável pela excursão foi intimado com a detenção do autocarro e uma pesada multa. Ficamos ali a aguardar o desenrolar dos acontecimentos, via o meu pai, angustiado, a entrar e a sair do edifício. Tentou estabelecer contacto telefónico com a empresa de transportes, a Rodoviária Nacional, na qual era motorista, não conseguiu.

Pouco tempo depois chega outro autocarro português, onde por coincidência ou não, estava um GNR (Guarda Nacional Republicano) conhecido do meu pai, que foi de grande amabilidade fazendo a diligência de resolver o assunto com os colegas espanhóis.
Lá voltamos felizes e contentes, mas não escapando o excursionista de ser marginalizado, e de não ficar nem com uma garrafa para recordação.

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